segunda-feira, 8 de março de 2010

Bem-dizendo a mulher

Oito de março é dia de festa.
Momento de celebrar as guardiãs da vida que estão na origem da mesma e aninham as promessas de futuro em seu útero fertilizado.
Momento de celebrar as doces guerreiras que empunham diferentes armas, instrumentos bélicos outros e bizarros para lutar lutas eternas e ganhar guerras que parecem perdidas aos olhos de tantos. Momento de cantar aquelas que sabem transformar dor em alegria, fracasso em esperança, deserto em jardim. É tempo de celebrar de novo, e sempre, a mulher, esta obra prima do Criador. Tempo de bem-dizer.
Benditas as mulheres que consolam agonias recolhendo as últimas mensagens de moribundos para suas famílias; elas diminuem por sua presença e suas palavras os sofrimentos do período de espera, às vezes tão longo e tão doloroso que se passa entre o momento da ferida e a chegada das macas; entre a dor lancinante e o momento em que o analgésico começa a fazer efeito; entre o desespero e o momento exato no qual a luz começa a brilhar no fim do túnel.
Benditas as mulheres que persistem na execução de alguns ofícios humanitários no centro mesmo da batalha, no ponto culminante da selvageria. Mulheres que preferem expor seus corpos e se convertem a si mesmas em alvos, santuários e anteparos para a agressão e a violência. Elas constituem um desafio fulgurante a qualquer selvageria escolhida e imposta pelos mais diversos inimigos, sem perguntas ou atenuantes. Em meio à brutalidade da violência, os serviços de paz desempenhados pelas mulheres levam a marca do carinho e são envolvidos por maternal ternura. Sua eficácia talvez não seja muita, mas a eficácia moral de um símbolo independente da quantidade.
Benditas as mulheres que não têm medo. E que dia após dia, vivendo com amorosa coragem e fazendo outros viver, constituem um espetáculo tão novo, tão significativo e carregado de uma significação tão clara que motiva e entusiasma a outros, levantando feridos à beira do caminho e corações destruídos pela depressão.
Benditas as mulheres desarmadas que têm de seu apenas as lágrimas e o sorriso, e a partir daí conseguem mudar o mundo e nele deixar sua marca. Sua presença delicada e forte faz mais impressão sobre a realidade e o gênero humano do que qualquer outra coisa e faz sentir de maneira nova e inesperada até onde pode a criatura de Deus chegar em termos de grandeza moral e criatividade e gênio para resolução dos mais insolúveis problemas.
Benditas as mulheres atentas e afáveis, que com graciosa presteza se debruçam sobre pequenos e frágeis corpos e mentes, abrindo-lhes os primeiros segredos do universo e iluminando os cantos recônditos e sombrios do conhecimento. Mestras carinhosas e pacientes, vão conduzindo sem pressa os neófitos de todos os gêneros e raças pela estrada luminosa da razão e do amor.
Benditas todas as mulheres que bendizem com sua vida o respeito a toda forma de vida. E que arrumam flores de esplendorosa beleza em canteiros e jardins. E dispõem cores e tramas para criar conforto e bem-estar, assim como para recrear os olhos, reencantando o sentir e o admirar.
Benditas as mulheres que usam com alvoroço inquieto e alegre a língua e os lábios que Deus lhes deu. Assim rezam, assim cantam, assim louvam, assim adoram. Assim enchem a casa, o templo e o ouvido alheio com palavras inspiradas e inspiradoras, provocando fé, reverência e admiração ante a grandeza do Mistério. Benditas mulheres que se comunicam e falam. E falando com a boca, deixam falar o coração. E a boca transborda daquilo que o coração está cheio.
Benditas as mulheres cujas mãos ostentam delicadeza e suavidade. Mas ao mesmo tempo força e trabalho. Benditas mãos femininas que acalentam, ninam, trocam fraldas, fazem e dão comida. E ao mesmo tempo escrevem, digitam, apertam botões. Curam, carregam, constroem, plantam.
No Dia Internacional da Mulher é o momento de celebrar tanta bênção que nos chega através e por esta que é criada por Deus como um preito à vida. Esta que sempre esteve, está e estará presente na história como garantia da continuidade da espécie e da esperança no futuro.
Celebremo-las, pois: Clarices e Marias que suportaram a dor de ver os companheiros torturados e mortos pela violência. Márcias e Ana Lúcias que salvam os filhos ao preço e risco da própria vida. Cleydes e Rosas Marias que fazem do luto interminável e da dor sem remédio matéria-prima de luta vital e transformadora para que outros lutos não aconteçam.
No Dia Internacional da Mulher, louvemos a Deus por sua mais bela invenção: a mulher. E agradeçamos àquele que por amor decidiu, na plenitude dos tempos, ser enviado ao mundo, nascido de mulher.
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Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (
wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
* teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio

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