"Acende velas e dança.
O corpo só conhece o ritmo indiano: o coração é quem marca o tempo.
Vontade faz as vezes de compasso e a alma gira.
Quando criança fazia o balanço ganhar altura para alcançar estrelas.
Por isso, hoje rodopia enquanto canta.
E acredita que as notas mais altas são capazes de balançar o coração de Deus.
E que as mais baixas fazem com que ele se incline suave só para escutar.
Quando se sente só, canta baixinho.
Até encontrar um sorriso num gorjeio de passarinho.
Sua alegria é feita de grãos.
Quando a felicidade lhe varandeia os olhos, contagia.
A saudade sempre lhe chega num pé de vento. E ela suspira.
Há de ter um lírio azul tatuado nas costas.
Tem uma flor geminando na alma. Quando expira, polén.
Sabe adornar um vazio: esse poço antigo enlaçado de flores.
Amarelas. Onde se mata a sede.
Na mão aperta, com fé, uma estrela cadente: essa possibilidade.
Risca no ar um desejo enquanto se desfaz.
Poeira lunar nos pés. Raio de sol para fisgar novo dia.
E um sopro suave para mudar o ar dessa noite.
Tira o laço vermelho que lhe apertava o peito, amarra nas bordas do dia.
A barra da saia pespontada de horizontes.
O pensamento branco, branco. Azul. Amarelo. Verde.
Uma paz inquieta.
As unhas vermelhas e os cabelos escoando o orvalho desse novo dia.
No céu, nuvens de filó.
E a terra gira azul, azul, feito saia.
Sorri, o mundo dança."
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(Cecília Braga)